Trama Fantasma (“Phantom Thread”), título do novo longa de Paul Thomas Anderson, é apropriado por diversos motivos, sejam eles literais, emocionais ou psicológicos. Um filme que se apoia em atuações brilhantes, trilha sonora primorosa e ótimas surpresas.
Daniel Day-Lewis, no que é supostamente o último papel de sua carreira, interpreta o estilista Reynolds Woodcock, um equivalente londrino de Christian Dior, dono de uma maison que leva seu nome e reverenciado por todas as mulheres, que sonham em usar uma de suas criações.
Em meio a nomes de peso como Anderson e Day-Lewis, a quase novata – ao menos em termos de Hollywood – Vicky Krieps não deixa nada a desejar ao gênio desses artistas com sua interpretação da jovem Alma, que aparenta a princípio ser uma simples garota do interior, com rosto e corpo de camponesa e um inglês imperfeito. Após um breve primeiro encontro, Reynolds se mostra encantado, e mais especialmente inspirado pela garçonete. O filme adquire um quê de contos de fada, no qual Alma faz a passagem da classe operária para os salões da alta-costura, desfilando modelos belíssimos e se tornando a mais nova musa do famoso estilista. Como consequência, a paixão entre os dois floresce.
Porém o encantamento não dura para sempre, uma vez que falta à Alma o refinamento e atitude blasé compartilhados pela mais alta sociedade e pela nobreza frequentadora da maison Woodcock e seus moradores. Ao contrário do esperado, especialmente pela irmã de Reynolds, Cyril – uma interpretação cortante e maravilhosa de Lesley Manville – muito rapidamente fica claro que Alma não é mais uma das inúmeras amantes do irmão cujo prazo de validade parece expirar a cada poucos meses. A jovem revela uma personalidade forte, opiniões próprias, assim como um caráter obsessivo semelhante ao do estilista. O conto de fadas chega ao fim e dá lugar ao drama e ao suspense.
A introdução acima é mais que suficiente, e detalhar os demais pontos da narrativa seria prestar um desserviço aqueles que ainda não tiveram o prazer de assistir Trama Fantasma. Trata-se de um trabalho refinadíssimo de atuação, no qual Vicky Krieps – que apresenta um combo de delicadeza, naturalidade, e momentos chave de intensidade – não se deixa intimidar por Day-Lewis, que mostra mais uma vez porque é indiscutivelmente um dos melhores atores dessa geração, desaparecendo nas expressões faciais e maneirismos de Reynolds, e dando vida à um personagem que é muitas coisas: impulsivo e perfeccionista ao extremo, infantil, cruel, e ao mesmo tempo amável e delicado.
A direção de Anderson é meticulosa e sua fotografia linda, porém em nenhum momento é indulgente, o que é em geral o caminho mais fácil para se obter um bom resultado. Sua câmera está muito mais interessada nos rostos e nas mãos dos personagens, que dizem tudo, e nos detalhes que trazem verossimilhança à história, como o trabalho incansável e preciso das costureiras no ateliê.
A trilha original nomeada ao Oscar e composta por Jonny Greenwood, guitarrista do Radiohead, com peças clássicas para piano e orquestra, parece nos avisar que as coisas não são o que parecem ser, que algo mais sombrio está a espreita; e é prova do talento de Anderson que as mudanças de tom no longa são tão fluidas e elegantes quanto os belos vestidos da protagonista.