Aqueles que, apesar da economia e praticidade dos ebooks, não trocam a sensação de ter o livro físico em mãos, folhear suas páginas e até mesmo sentir o aroma do papel, seja ele fresco, recém saído da prensa ou antigo e marcado pelas traças, e que sentem-se em casa
caminhando pelos corredores de uma livraria, certamente se identificarão com Florence Green, personagem central de A Livraria (“The Bookshop”), interpretada por Emily Mortimer (“The Newsroom”).
É difícil observar Hardborough, uma charmosa e pacata cidadezinha costeira na Inglaterra dos anos 50 e imaginar que seus moradores sejam nada menos que amigáveis e acolhedores, e é justamente com essa mentalidade que a jovem viúva Florence chega para fixar residência e colocar em prática um plano ambicioso de abrir a primeira livraria da pequena vila, investindo todas as suas economias na compra de um antigo imóvel abandonado. Muito rapidamente, porém, a jovem percebe que realizar seu sonho será bem mais difícil do que imagina. Vencedor do Prêmio Goya de Melhor Filme, Melhor Diretora para Isabel Coixet (“A Vida Secreta das Palavras”) e Melhor Roteiro Adaptado,
“A Livraria” é baseado no ácido romance de Penelope Fitzgerald, de 1978, um comentário
sobre a sociedade inglesa da época, a censura e a malícia escondidos por baixo de sorrisos e olhares bondosos.
A principal opositora do empreendimento é a rica e poderosa Violet (Patricia Clarkson) que tem seus próprios planos para a velha casa ocupada por Florence, enquanto que no Sr. Brundish (Bill Nighy) a jovem tem um valioso aliado. Um senhor solitário porém ávido amante de livros, o que impulsiona uma relação de amizade e respeito mútuo, que pode, quem sabe, torna-se algo mais. Logo uma guerra silenciosa é deflagrada, e abusando de sua influência, Violet utiliza vários meios para desestabilizar a pequena livraria e sua dona, que, mesmo sob ataque, prosperaram. Mortimer, em uma performance ao mesmo tempo sutil e complexa, consegue balancear a personalidade forte de uma mulher que não se intimida diante de ameaças e não aceita ser tratada com condescendência por parte de figuras masculinas de poder, e a doçura e carinho com os quais trata sua ajudante Christine (Honor Kneafsey) uma inteligente garota local.
Com narração constante que dá ao longa um caráter de fábula, e alguns pontos fracos como um elenco de apoio que sofre de caracterizações inconsistentes e problemas para definir um tom uniforme, A Livraria é um conto de coragem e determinação, que usa a literatura como pano de fundo para explorar a toxicidade de costumes e comportamentos retrógrados que, a primeira vista, podem parecer inofensivos; ao mesmo tempo que explora o embate eterno entre tradição e progresso, dentro dos limites da sua simplicidade.